Se
você acredita que a luta LGBT pela legalização do casamento entre
iguais é algo recente, em verdade vos digo meu amigo/minha amiga:
você está enganad@!
Segundo
James Green e Ronald Polito, autores do livro “ Frescos Trópicos:
fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870 –
1980)”,impresso pela editora José Olympio, em 2006; o primeiro
casamento HOMOSSEXUAL brasileiro, com todo o glamour de uma cerimonia
religiosa tradicional, aconteceu ainda no século passado, mais
precisamente no dia 10 de dezembro de 1962, há quase 54 anos atrás,
no Rio de janeiro. Na ocasião,mesmo contrariando a legislação
vigente e a moral da sociedade da época, a “Senhorita” Marquesa
, então com 17 anos; e o Sr. Craveiro tornaram-se o casal Sodré.
Fato este noticiado de forma sensacionalisata pelos repórteres João
Luis de Albuquerque e Orlando Rafino à revista Fatos & Fotos
de 22 de dezembro do mesmo ano, sob o título: “ As bodas do
diabo”.
O
casamento dos Sodré foi um marco da história LGBT no Brasil, porém,
estranhamente pouco se ouve a respeito. Na ocasião, a revista Fatos
& Fotos deu total destaque ao evento apresentando uma reportagem
que, apesar de preconceituosa, ocupou-se de registrar em detalhes a
cerimonia, a emoção dos noivos, a irreverencia dos convidados e a
audácia de um ato improvável para os casais
homossexuais brasileiros de então. Segundo os repórteres:
“Para muitos foi o casamento do ano. A noiva, com
seus 17 anos e seu vestido importado de Paris, estava radiante de
felicidade. Apenas 20 convidados presentes à cerimônia e cinqüenta
na recepção. Às cinco da madrugada, na Barra da Tijuca, no Rio, a
Srta. Marquesa e o Sr. Craveiro transformaram-se no casal Sodré.
Vinte e quatro horas mais tarde, numa boate em Copacabana, o novo par
recebeu os amigos para um coquetel. Em tudo aquilo, no entanto, algo
de estranho. No convite havia uma alternativa para o traje
obrigatório: travesti ou convencional.
O que ocorreu na madrugada de 10 de dezembro, em
Copacabana, foi apenas o casamento de um homem com outro homem. O
que há de mais lamentável em tudo isso e que, no bairro mais famoso
da cidade, tenha a degenerescência atingido um tal ponto que um fato
desta ordem não tenha espantado os que, como as autoridades,
souberam com tanta antecedência da caricatura grotesca de um dos
atos mais sérios de todo o mundo _ o casamento.
Por volta de uma hora da manhã os convidados
começaram a chegar. Em meio à confusão, ninguém mais sabia o sexo
das pessoas. E as dúvidas pairavam no ar quando descia uma pessoa
de um automóvel num caríssimo Dior, brinco nas orelhas, joias pelo
corpo. Lá dentro esperava-se pela noiva.
Craveiro Sodré mostrava-se inquieto com o atraso da
marquesa.
_ Será que ela mudou de idéia e fugiu com outro?
A verdade é que nada menos que cinco costureiras
tiveram que, ás pressas, nos últimos instantes, rever o vestido da
noiva que chegara de Paris. Daí o atraso.
Ao som da Marcha Nupcial, a Marquesa deu entrada
solene, às duas da manhã. E já chegou chorando. Uma amiga a
consolou.
_ não se preocupe amor. Chorar faz bem e eu também
chorei no dia do meu casamento.
A pedido dos noivos, nada de “twist” ou música
dançável. Apenas Mozart, Bach, Haydn e Vivald. O “buffet” foi
servido às cinco da manhã: Caviar Fresh, Malossol, Lagosta Montada
à Parisiense, Virgine Ham, Strogonoff de galinha, Picadinho, Frutas
do pais licores, café, vinhos, uísque e champanha.
Na hora de cortar o bolo, a Marquesa chorou outra
vez.
_Estou triste porque mamãezinha não pode vir. Mas
foi melhor assim. Ela não entenderia.
À saída para a lua de mel, com latas amarradas
atrás do carro, o casal despediu-se dos amigos. Marquesa, a um
canto, ouvia os conselhos de algumas colegas mais velhas e já
casadas. E partiram com duas lambretas à frente, abrindo caminho, à
guisa de batedores.
A menos de 2 Km do Distrito Policial. Em Copacabana,
alheios aos princípios morais e ao código Penal, dois homens
decidiram afrontar as leis do pais e o conseguiram.
Revista Fatos &Fotos, 22 de dezembro de 1962.”
(GREEN; POLITO: 2006, p. 60-61)
Subversão,
ousadia, deboche, irreverência e amor, acima de tudo amor. O casal
Sodré, independente de ser composto por dois homens, não esperou ou
pediu permissão para viverem juntos como marido e mulher, pois assim
se viam, assim viviam, e assim decidiram viver para sempre. Que
sejam lembrados, pois, como ícones da luta por Diretos LGBTs no
Brasil.
Segundo
o site Jusbrasil.com.br, o primeiro casamento homoafetivo legalizado
no Brasil, porém, ocorreu em São Paulo, em 2011, quando o casal
Luiz André Rezende Souza Moresi e José Sérgio Souza Moresi que já
viviam juntos há oito anos, teve sua certidão de união estável
convertida em certidão de casamento por decisão do juiz Fernando
Henrique Pinto, no dia 27 de junho do mesmo ano, contrariando a
orientação religiosa que liga casamento à procriação e impedia a
realização de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. A decisão
baseou-se no entendimento de que casamento não é apenas uma ligação
religiosa, mas um laço de amor e amor não tem cor, raça, conta
bancária, muito menos condição sexual (eu não gosto do termo
orientação sexual, eu prefiro condição sexual, é mais
completo e determinante, já que é condição de existência e não
direção a ser seguida, podendo ser mudado no caminho, mas cada um é
livre pra usar o termo que achar que deve). A certidão de casamento
foi entregue ao casal um dia depois, dia 28 de junho, não por
acaso, dia em que se comemora o dia mundial do orgulho LGBT.
“Já
estamos oficialmente casados. A união estável não da certidão e
não muda o registro civil. Com o casamento adotamos o sobrenome um
do outro. (…) Correram os proclamas uns 15 dias e o promotor de
Justiça Luiz Berdinaki concedeu parecer favorável. Após parecer do
Ministério Público, a ação seguiu para a 2ª Vara de família da
Comarca de jacareí, Fernando Henrique Pinto, que autorizou o
casamento”; disse Luiz André Souza Moresi ao site
Jusbrasil.com.br.
Tanto
o casal Sodré, como o casal Souza Moresi foram importantes para a
história do movimento LGBT no Brasil, principalmente por serem os
nomes que ampliarem as conquista de Direitos LGBT, negados até
então. Depois deles, muitos outros vieram e que venham mais, muitos
mais... Mas é importante destacar que essas conquistas só foram
possíveis pelo empoderamento dessas pessoas que não desistiram de
lutar por seus direitos. É claro que essas uniões não foram
suficientes para derrotar o preconceito das mentes fechadas ao amor
homossexual, mas pelo menos foram importantes para dar visibilidade
aos Direitos LGTBs no Brasil. Hoje, o sentido de família é bem
diferente daquele das épocas destes casais. O Direito de família
está mais inclusivo e democrático, e casais homossexuais podem, em
tese, gozar os mesmos direitos e deveres civis de todo casal
brasileiro, dentre eles casar e constituir família, incluindo-se
aqui a possível adoção de crianças, mesmo diante de todas as
polêmicas envolvidas nesta temática, mas isso é assunto para outro
post.