quinta-feira, 2 de junho de 2016

O PRIMEIRO CASAMENTO GAY DO BRASIL




Se você acredita que a luta LGBT pela legalização do casamento entre iguais é algo recente, em verdade vos digo meu amigo/minha amiga: você está enganad@!

Segundo James Green e Ronald Polito, autores do livro “ Frescos Trópicos: fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870 – 1980)”,impresso pela editora José Olympio, em 2006; o primeiro casamento HOMOSSEXUAL brasileiro, com todo o glamour de uma cerimonia religiosa tradicional, aconteceu ainda no século passado, mais precisamente no dia 10 de dezembro de 1962, há quase 54 anos atrás, no Rio de janeiro. Na ocasião,mesmo contrariando a legislação vigente e a moral da sociedade da época, a “Senhorita” Marquesa , então com 17 anos; e o Sr. Craveiro tornaram-se o casal Sodré. Fato este noticiado de forma sensacionalisata pelos repórteres João Luis de Albuquerque e Orlando Rafino à revista Fatos & Fotos de 22 de dezembro do mesmo ano, sob o título: “ As bodas do diabo”.

O casamento dos Sodré foi um marco da história LGBT no Brasil, porém, estranhamente pouco se ouve a respeito. Na ocasião, a revista Fatos & Fotos deu total destaque ao evento apresentando uma reportagem que, apesar de preconceituosa, ocupou-se de registrar em detalhes a cerimonia, a emoção dos noivos, a irreverencia dos convidados e a audácia de um ato improvável para os casais homossexuais brasileiros de então. Segundo os repórteres:

Para muitos foi o casamento do ano. A noiva, com seus 17 anos e seu vestido importado de Paris, estava radiante de felicidade. Apenas 20 convidados presentes à cerimônia e cinqüenta na recepção. Às cinco da madrugada, na Barra da Tijuca, no Rio, a Srta. Marquesa e o Sr. Craveiro transformaram-se no casal Sodré. Vinte e quatro horas mais tarde, numa boate em Copacabana, o novo par recebeu os amigos para um coquetel. Em tudo aquilo, no entanto, algo de estranho. No convite havia uma alternativa para o traje obrigatório: travesti ou convencional.
O que ocorreu na madrugada de 10 de dezembro, em Copacabana, foi apenas o casamento de um homem com outro homem. O que há de mais lamentável em tudo isso e que, no bairro mais famoso da cidade, tenha a degenerescência atingido um tal ponto que um fato desta ordem não tenha espantado os que, como as autoridades, souberam com tanta antecedência da caricatura grotesca de um dos atos mais sérios de todo o mundo _ o casamento.
Por volta de uma hora da manhã os convidados começaram a chegar. Em meio à confusão, ninguém mais sabia o sexo das pessoas. E as dúvidas pairavam no ar quando descia uma pessoa de um automóvel num caríssimo Dior, brinco nas orelhas, joias pelo corpo. Lá dentro esperava-se pela noiva.
Craveiro Sodré mostrava-se inquieto com o atraso da marquesa.
_ Será que ela mudou de idéia e fugiu com outro?
A verdade é que nada menos que cinco costureiras tiveram que, ás pressas, nos últimos instantes, rever o vestido da noiva que chegara de Paris. Daí o atraso.
Ao som da Marcha Nupcial, a Marquesa deu entrada solene, às duas da manhã. E já chegou chorando. Uma amiga a consolou.
_ não se preocupe amor. Chorar faz bem e eu também chorei no dia do meu casamento.
A pedido dos noivos, nada de “twist” ou música dançável. Apenas Mozart, Bach, Haydn e Vivald. O “buffet” foi servido às cinco da manhã: Caviar Fresh, Malossol, Lagosta Montada à Parisiense, Virgine Ham, Strogonoff de galinha, Picadinho, Frutas do pais licores, café, vinhos, uísque e champanha.
Na hora de cortar o bolo, a Marquesa chorou outra vez.
_Estou triste porque mamãezinha não pode vir. Mas foi melhor assim. Ela não entenderia.
À saída para a lua de mel, com latas amarradas atrás do carro, o casal despediu-se dos amigos. Marquesa, a um canto, ouvia os conselhos de algumas colegas mais velhas e já casadas. E partiram com duas lambretas à frente, abrindo caminho, à guisa de batedores.
A menos de 2 Km do Distrito Policial. Em Copacabana, alheios aos princípios morais e ao código Penal, dois homens decidiram afrontar as leis do pais e o conseguiram.

Revista Fatos &Fotos, 22 de dezembro de 1962.”
(GREEN; POLITO: 2006, p. 60-61)

Subversão, ousadia, deboche, irreverência e amor, acima de tudo amor. O casal Sodré, independente de ser composto por dois homens, não esperou ou pediu permissão para viverem juntos como marido e mulher, pois assim se viam, assim viviam, e assim decidiram viver para sempre. Que sejam lembrados, pois, como ícones da luta por Diretos LGBTs no Brasil.

Segundo o site Jusbrasil.com.br, o primeiro casamento homoafetivo legalizado no Brasil, porém, ocorreu em São Paulo, em 2011, quando o casal Luiz André Rezende Souza Moresi e José Sérgio Souza Moresi que já viviam juntos há oito anos, teve sua certidão de união estável convertida em certidão de casamento por decisão do juiz Fernando Henrique Pinto, no dia 27 de junho do mesmo ano, contrariando a orientação religiosa que liga casamento à procriação e impedia a realização de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. A decisão baseou-se no entendimento de que casamento não é apenas uma ligação religiosa, mas um laço de amor e amor não tem cor, raça, conta bancária, muito menos condição sexual (eu não gosto do termo orientação sexual, eu prefiro condição sexual, é mais completo e determinante, já que é condição de existência e não direção a ser seguida, podendo ser mudado no caminho, mas cada um é livre pra usar o termo que achar que deve). A certidão de casamento foi entregue ao casal um dia depois, dia 28 de junho, não por acaso, dia em que se comemora o dia mundial do orgulho LGBT.

Já estamos oficialmente casados. A união estável não da certidão e não muda o registro civil. Com o casamento adotamos o sobrenome um do outro. (…) Correram os proclamas uns 15 dias e o promotor de Justiça Luiz Berdinaki concedeu parecer favorável. Após parecer do Ministério Público, a ação seguiu para a 2ª Vara de família da Comarca de jacareí, Fernando Henrique Pinto, que autorizou o casamento”; disse Luiz André Souza Moresi ao site Jusbrasil.com.br.

Tanto o casal Sodré, como o casal Souza Moresi foram importantes para a história do movimento LGBT no Brasil, principalmente por serem os nomes que ampliarem as conquista de Direitos LGBT, negados até então. Depois deles, muitos outros vieram e que venham mais, muitos mais... Mas é importante destacar que essas conquistas só foram possíveis pelo empoderamento dessas pessoas que não desistiram de lutar por seus direitos. É claro que essas uniões não foram suficientes para derrotar o preconceito das mentes fechadas ao amor homossexual, mas pelo menos foram importantes para dar visibilidade aos Direitos LGTBs no Brasil. Hoje, o sentido de família é bem diferente daquele das épocas destes casais. O Direito de família está mais inclusivo e democrático, e casais homossexuais podem, em tese, gozar os mesmos direitos e deveres civis de todo casal brasileiro, dentre eles casar e constituir família, incluindo-se aqui a possível adoção de crianças, mesmo diante de todas as polêmicas envolvidas nesta temática, mas isso é assunto para outro post.


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